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DISCERNIMENTO E DIVERSIDADE


Como brasileiros somos fruto da diversidade, pois nascemos num país que acolhe múltiplas raças e credos e sem histórico de guerras ou disputas religiosas. Porém, se observarmos com um pouco de distanciamento, veremos que muitas vezes o que por um lado é uma benção na forma do respeito as diferentes maneiras de vivenciar a fé, por outro pode ser uma imensa fonte de distração e dispersão.


É fácil observar que apesar da alegria e do bom coração, um grande número de pessoas de fé pouco se esmera em se aprofundar nas práticas pelas quais sentem afinidade. Mesmo aquelas que buscam pôr em pratica o que acreditam ou pregam, em geral, sem se dar conta, negligenciam refletir e se ocupar com os estudos paralelos que dão sustentação a sua tradição espiritual. Assim, por falta de interesse em suas raízes ou de reconhecimento do valor do legado deixado pelos que trilharam o mesmo caminho anteriormente, saem prematuramente propagando suas visões ainda cruas ou vão em busca de adicionar “temperos novos”.


Sem se dar conta, se tornam consumistas desesperados com o vazio existencial que aflige seu coração. Aos poucos essa compulsão e sentimentos íntimos vão se camuflando e surge uma justificativa lógica e até um orgulho que faz com que acreditem que na diversidade, ou com um pouco de vivência e conhecimento sobre diversas linhas; Cristã, Xamânica, Espirita, Umbandista, Fraternidade Branca, Daime, Hindu, Celta, Budista, Wicca, entre tantas outras novas e tradicionais, terão a experiência da Unidade.



Atendo muitas pessoas e percebo uma confusão pairando. Vejo que muitas delas na verdade estão com uma necessidade de se relacionar com pessoa afins, e vão se afiliando a um ou vários grupos espirituais quase como se fosse um clube. Mas outras, mais focadas na busca por alcançar uma maior compreensão da vida e de Deus, não estão imunes e acabam criando uma colcha de retalhos espirituais mal costurada com toda essa mistura. Na primeira lavagem já começa a surgir buracos e em pouco tempo ela fica toda esgarçada, perdendo sua função original de aquecer e proteger a tão delicada semente de fé que impulsiona a alma e dá sentido à existência.



É natural e legítimo um buscador fazer adaptações e seguir caminhando, da mesma maneira que um aluno que vai avançando em seus estudos precisa de novos métodos, informações e professores mais capacitados para acompanhá-lo em sua nova fase. Mas não é desse aspecto saudável que me refiro e sim ao que observo em minha trajetória pessoal e no contato com diversos buscadores nesses 28 anos decorridos desde que ingressei no primeiro grupo de estudos místicos e transcendentais, ainda adolescente.



O que percebo atualmente é uma forte tendência coletiva trazendo uma ânsia pela evolução, por fazer algo em prol da natureza e da humanidade, ou mesmo de conhecer pessoas interessantes, “espiritualizadas” ou “do bem”. Isso me parece refletir tanto um despertar como uma insatisfação e é um movimento natural, e até necessário diante da degeneração da natureza e das relações humanas entre si e com o divino.



O que se passa é que do ponto de vista da mente, a identificação com os papeis sociais e com a evolução espiritual acaba por continuar perpetuando a distração com o mundo externo. São novas roupagens que a distração material e mental tem de nos encantar com engajamentos em com causas diversas, grupos ou experiências místicas ainda experimentalistas ou atreladas a adereços que estimulam ou nos condiciona ainda mais.



O circular nesse parque de diversões repleto de idealismos materiais ou espirituais pode contribuir para o amadurecimento do buscador de si e de Deus, mas somente se ele ao se perceber ainda incompleto e confuso, genuinamente compreender a impossibilidade de alcançar gradualmente um estado de paz e equanimidade por essa via caleidoscópica. Por outro lado, os mais suscetíveis acabam se enredando demasiadamente e sentem grande desalento, frustração e gasto de energia. Até o ponto de o processo dificultar ainda mais a percepção de que toda essa energia precisa ser redirecionada para dentro de uma maneira simples, intima e despretensiosa.



Outro fator que noto por vezes agravar a situação é quando a psicologia ao invés de ser usada pontualmente como um apoio inicial no processo do autoconhecimento, acaba ocupando um protagonismo maior do que aquele que lhe cabe, se tornando mais um vício paralelo, ou até um culto de si mesma. Isso é detectado no apego exacerbado pelo destrinchar minucioso e compulsivo de estórias pessoais, traumas, necessidades, desejos, sentimentos negados, etc na crença de que esse processo irá propiciar um salto espiritual.



Claro que existem muitas situações em que a ciência e a psicologia são de grande valia e podem até salvar uma vida, mas daí a perpetuar essa prática como se fosse uma disciplina espiritual é um equívoco que reflete a ignorância daquilo que é o legítimo legado de tantos Santos, Mestres e Yogis. Isso porque Eles são referências e provas vivas de que suas práticas e prescrições viabilizaram a liberação de inúmeros adeptos e buscadores durante milhares de anos.



Esse legado por sua vez está disponível para todos os seres humanos que tenham um coração puro e um desejo verdadeiro de ir além do egoísmo e do narcisismo, material ou espiritual. E por mais complexas que as escrituras sagradas aparentem ser, elas têm o potencial de trazer igualmente para pessoas simples e eruditas o balsamo do conhecimento universal. Nelas estão contidas desde todas as facetas psicológicas até refinadas práticas extensamente testadas para caminharmos com segurança em direção a nossa própria realização.



Não é sensato, portanto, acreditar que participar de uns poucos workshops ou se engajar em práticas inconsistentes, inconstantes ou misturadas irão suplantar ou anular toda a herança deixada pela misericórdia desses Seres Liberados de ego e embebidos em Deus.



Discernimento parece estar sendo confundido com julgamento e o efeito colateral é uma falta de clareza. Falta de clareza para estabelecer a diferença entre disciplina com foco e fanatismo autoritário; entrega e submissão; carência afetiva e busca espiritual; conhecimento recorta, traduz e cola e sabedoria adquirida; escritura sagrada e manual prático; professor e Mestre.



Em suma, a capacidade do intelecto e da intuição atuarem juntos sem descartar o capricho no processo, paralelo de auto-observação e estudos de literaturas com apoio de pessoas realmente capacitadas a nos ajudar sem anular nosso processo gradativo e individual.



Acredito que dessa forma seja possível aprender mesmo com nossas falhas e dificuldades pois nos traz humildade que junto a perseverança paulatinamente fortalece nossa capacidade de distinguir e separar o imaginado do real; o falso do verdadeiro; o veneno, que parece ser um remédio mas obscurece a consciência, do néctar do conhecimento libertador e, finalmente, compreender aquilo que é de fato essencial para seguir em direção a si até nos fundirmos com Deus.

Jay Mata!

Om Namah Shivaya!

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